Escuras Alegrias



Fui paquerado várias vezes quando ainda ficava naquela mesmice de
mostruário de vitrine no shopping central da cidade. Até que minha
dona juntou coragem -e que coragem- e assim eu passei a freqüentar os
meus primeiros dias de liberdade.

Passei a conhecer meu aliado amigo Sol. Sabia que quando ele
aparecesse, eu estaria por aí dando pinta nas ruas da cidade. E nada
mau para mim, um jovem, começar a conhecer o mundo dessa maneira.

Tá que a minha vidinha no shopping não era lá tão ruim, várias pessoas
me paparicavam por dia. Eu passava de mão em mão. Sentia que muitos me
desejavam, enquanto outros se decepcionavam quando me experimentavam,
julgavam que eu era apertado, desconfortável, muito escuro, que minhas
lentes eram grandes, ou até mesmo pequenas. Imagine se eu queria permanecer
com um dono assim.

A minha primeira semana foi de apresentações. Antes de conhecer a
cidade, habitava uma apertada caixinha que ficava dentro de uma bolsa
e, de hora em hora, caia em diferentes rostos e mãos que se encantavam
com a minha beleza. Fui até gostando da coisa e em pouco tempo
fiquei famoso e cobiçado.

Quem tinha mesmo inveja e raiva de mim era o namorado da minha dona,
me olhava torto, com aquela cara de desprezo sempre que me via.
Ele achava que eu não me magoava com isso, Jéssica fez um esforço
enorme para comprar-me e eu me dei bem com aquele rostinho, ótimo
caimento, estava torcendo por ela. Mas ele não. Egoísta. Não cedia uma
só vez em fazer seus comentários, sempre falava que ela tinha gasto o
suado dinheiro em duas lentes escuras inúteis.

Essa situação desagradável chateava a mim e a minha dona. Acabou
então que para evitar drásticas discussões, vim parar na gaveta de um
armário velho de madeira, cheirando mofo, que arranha minhas lentes em
brincos e colares que aqui já estão há meses.

Só recebo visitas do meu amigo Sol pelas frestas do armário; tem
dias que ele não vem e quando isso acontece me sinto ainda mais
sozinho.

Como numa prisão, ansiando pela volta daquele rostinho moreno que
desfilava comigo em todos os lugares, estou envelhecendo. Minhas lentes
ficaram embaçadas, o meu aro se juntou ao ambiente mofado e apodreceu
junto a ele.

No meio dessa solidão, ouvi hoje Jéssica entrar no quarto. Meu coração
palpitou! Vi pela fresta do armário a esperança de sair daqui naquele momento.
Mas a comemoração durou pouco. Traição? Não sei. Ela estava aos
agrados com um colega meu de vitrine que desta vez ganhou de seu namorado.

Foi então que percebi que a mesmice da vitrine era muito agitada se
comparada a este lugar. Vi pela fresta a esperança indo embora. O que
me resta agora é compartilhar minha tristeza recebendo o calor do
meu único amigo,o Sol.

Por Bruna Luchini

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